Privilégio…

Privilégio, essa incontestável bênção mista que oferece oportunidade e conforto, mas também complica muitas vidas, e algumas vezes pode mesmo diminuí-las.

Primeiro que tudo, o que queremos dizer quando falamos de privilégio?

A definição usual, é evidente, tem a ver com dinheiro e vantagens materiais. Mas eu argumentaria que se requer uma definição mais inclusiva, porque privilégio, de facto, assume muitas formas.

Uma família extremosa e apoiante é um privilégio. Do mesmo modo o é a atenção de professores com vocação social e capazes de dar bons conselhos. A educação é um privilégio. Não estou a pensar somente na aprendizagem de tipo livresca, mas de educação no seu sentido mais alargado. Falo de abertura e envolvimento com um mundo vasto, recheado de diversos povos de muitas culturas, o tipo de educação que aprofunda a nossa compreensão e atrai a nossa empatia.

Mas, o que têm em comum estas formas de privilégio?

Por um lado, cada um deles deve melhorar o nosso conjunto de opções de vida: esta melhoria potencial é uma parte essencial do que privilégio é. Mas, já reparou que nem sempre as coisas funcionam nesta linha?

Penso que privilégio é uma faca de dois gumes. Por um lado, pode abrir um mundo de possibilidades; por outro lado, tende a carregar com ele pressões, algumas externas, outras autoimpostas, o que pode limitar de forma séria essas possibilidades. Expectativas parentais constituem uma tal pressão. A influência de professores e de modelos de papéis sociais, mesmo quando a influência é positiva, é uma espécie de pressão. Depois há a moda social, a procura da carreira do ano. Finalmente, o facto que vivemos em tempos economicamente incertos tende a empurrar as pessoas para a (aparente) segurança das correntes dominantes nas escolhas de trabalho, os caminhos mais percorridos.

Por todas estas razões, as pessoas privilegiadas, seja qual for a forma exacta que o seu privilégio toma, algumas vezes parecem entender as suas opções como sendo mais estreitas que a maioria delas. Isto é infeliz, mesmo perverso, e também penso que é inegavelmente verdadeiro.

Privilégio é como um telescópio. Se se olhar através de um extremo, pode ver-se um longo percurso dentro de um universo sem limites; se se olhar através do outro extremo, o mundo visível encolhe-se até uma estreita tira. E, dado que a vida é o que dela fazemos, a decisão quanto ao modo como viramos o telescópio pertence a cada um de nós.

Exactamente como o privilégio pode expandir ou limitar as nossas opções de escolha, há também uma complexa, e algumas vezes paradoxal, relação entre privilégio e tempo.

Privilégio, seja de que espécie for, devia permitir-nos o luxo de não nos apressarmos através da vida. Um grau de segurança financeira devia reduzir a urgência de saltar para a barafunda de ganhar dinheiro. Uma família apoiante quererá dar aos filhos tempo para encontrar as suas alegrias. A educação devia tornar-nos humildes, face a todas as coisas que ainda não conhecemos; devia fazer-nos pacientes para aprender mais.

Privilégio, então, devia ajudar-nos a evitar a pressa na tomada de grandes decisões ou defraudar cada fase do nosso desenvolvimento, por causa de um qualquer impulso de pânico para passar-se à próxima. Como no caso de escolhas, privilégio devia dar-nos mais tempo, não menos.

Mas, pela observação do comportamento de muitos jovens provenientes de meios privilegiados, verificamos que não é assim que as coisas se passam. Há pessoas mais apressadas à face da terra? Completam a escola para entrar na universidade “adequada”. Concluem a universidade para impressionar os administradores dos programas “adequados” de graduação. Passam o verão numa confusão de estágios de formação, que serão considerados como um bom trunfo nos seus currículos, que os levarão ao caminho mais rápido para ingressarem na banca, na corretagem, ou numa firma de advogados. Não é motivo de surpresa que algumas destas pessoas tenham a chamada crise de meia-idade aos trinta ou trinta e cinco anos: dificilmente tiveram desde a adolescência uma pausa para respirar.

Seja-me permitido tornar claro que não digo estas coisas como juiz, mas por solidariedade. Compreendo que há pressões reais e poderosas que empurram as pessoas para esta apressada abordagem à vida. Como muitas vezes tem sido escrito, a actual geração de jovens é a primeira cujas perspectivas económicas e profissionais são, no fim de contas, menos cor-de-rosa que as dos pais. A ansiedade e frustração que acompanham isto são inteiramente compreensíveis. Ninguém quer ser apanhado como basbaque na plataforma, enquanto o comboio está a deixar a estação; ninguém quer perder as coisas boas, num tempo em que os recursos parecem estar a esgotar-se.

Ainda assim, penso que precisamos de colocar a nós próprios um par de perguntas muito básicas. Onde está a linha divisória entre, por um lado, uma positiva, pragmática, vigorosa determinação para agarrar o momento e, por outro lado, a semi-cega pressa, conduzida não por alegria ou compromisso real, mas pelo medo terrífico de ficar para trás? A que ponto, na nossa pressa através da vida, cedemos mais do que poderíamos possivelmente ganhar?” – Peter Buffett

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.