Não Reclamarmos os Outros Como Nossos

“Muitas pessoas sentem que a sua vida foi destruída por relacionamentos dolorosos e por situações que elas não podiam mudar ou controlar.

Quando atravessamos algo que nos provoca desgosto, ou nos envolvemos numa relação que nos magoa e não se desenvolve como gostaríamos, atribuímos-lhe todo o tipo de interpretações. Decidimos que este tipo de situação desagradável tem consequências sobre nós próprios – que devemos lutar e alterá-la de modo a recuperarmos a nossa dignidade. Consideramos que temos um inimigo, e começamos a erguer as nossas defesas. Convencemo-nos de que seremos sempre rejeitados e de que nunca mais voltaremos a amar.

Estas crenças e interpretações que acrescentamos à situação, são aquilo que nos mantém atolados no lodo da nossa vida. Elas impossibilitam-nos de avançar. Deixam-nos com a sensação de estarmos sujos e impuros. Fazem-nos sentir que fomos feridos e enganados. Segredam-nos que a vingança urge. Repetimos estas ideias a nós próprios muitas e muitas vezes. Quando acreditamos nestas histórias e reagimos a elas, perdemos o contacto com o que realmente está a acontecer agora e com o que se encontra disponível para nós no presente. E mais do que isso, deixamos de estar conscientes do facto de o lodo ser apenas lodo.

Dogen Zenji (um grande mestre Zen) podia atravessar todos os tipos de condições e permanecer incólume porque não lhes acrescentava nada. Ele estava exactamente onde estava, a experimentar tudo de forma directa. O lodo não era mau nem o sujava. Era apenas lodo. Pouco tempo depois de ter passado pelo lodo, no decorrer da sua caminhada, surgia um campo de relva para ele atravessar. Quando aparecia a relva, nas suas caminhadas, isso não era o paraíso, era apenas relva. Quando chegava o Outono e a relva secava, isso não significava que ele estivesse a ser castigado, sujeito a um Inverno tormentoso. Era apenas a época de a relva secar. Depois do Inverno, algo nasceria.

A maior parte de nós não é capaz de caminhar desta forma sobre as condições e os acontecimentos da vida. Continuamos sempre a tentar transformar o lodo em água cristalina. Quando encontramos um prado cheio de relva, tentamos mantê-lo verde mesmo quando estamos perante a geada do Inverno. Nós tememos o novo terreno que a vida nos apresenta em vez de caminharmos simplesmente na sua direcção.

Fazemos precisamente a mesma coisa com os relacionamentos. Detemo-nos numa dada situação, ficamos a pensar no quanto fomos enganados, a ruminar sobre ela e recusamo-nos a largá-la. Ficamos transtornados com o facto de não termos sido capazes de controlar a nossa situação e, como resultado, sentimo-nos impotentes. Mas o que é que nós podemos realmente controlar? Será que pelo facto de não podermos controlar este mundo insondável isso significa que somos impotentes ou tolos? Existirá uma outra maneira de nos aproximarmos tanto da beleza como da dor que sentimos?

Ao entrarmos respeitosamente na prática do Zen, tornamo-nos mais capazes de compreender que o lodo é apenas lodo. Ele não está lá para nos humilhar, perturbar ou deter. Aceitamo-lo nas nossas caminhadas, atravessamo-lo e, simplesmente, continuamos o nosso percurso.

Quando ele vier, damos-lhe as boas-vindas,

quando ele for, não o seguiremos

Esta simples instrução constitui uma forma directa de mudar completamente a nossa vida. Se a seguirmos verdadeiramente em todas as nossa relações, criamos o Céu na Terra, não importa quem vem ou vai. Não nos agarramos aos outros, reclamando-os como nossos. Compreendemos de onde veio cada pessoa e para onde vai.

Damos as boas-vindas a quem quer que chegue, sem culpa, exigências ou desilusão, mas com a compreensão de que cada pessoa é uma dádiva preciosa que nos é ofertada por um certo período de tempo. Quando chega o momento de essa pessoa partir, honramos a sua partida e não a seguimos – não a culpamos por se ir embora. Quando os outros sentem o respeito e o espaço que esta atitude lhes proporciona, abre-se-lhes a porta para serem tudo o que puderem, e é criado um campo fértil e um lugar seguro para o amor.

Esta instrução lembra-nos de encarar as coisas sem dificuldade. Ajuda-nos a permanecer imóveis, a não interferirmos com o ritmo natural do universo, que inevitavelmente traz até nós o que é nosso e nos retira aquilo que não nos está destinado para agora.

Quanto mais praticamos, mais entramos em contacto com a grande sabedoria natural do universo e com o processo de mudança contínua. Tornamo-nos capazes de descobrir o nosso centro e o nosso bem-estar em algo que está para além das correntes passageiras. Ao deixarmos de tentar controlar, não só nos é restituída uma grande quantidade de energia, como também nos tornamos capazes de ver a raiz a partir da qual cresce o amor verdadeiro.

Dar as boas-vindas a alguém quando chega, não seguir essa pessoa quando ela parte, é a manifestação de uma vida de amor. Quanto mais entramos nesta forma de vida, mais alegres nos tornamos, sem nadarmos contra as marés da vida, mas tornando-nos capazes de brincar nas ondas e de apreciar totalmente a brincadeira.” – Brenda Shoshanna

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.