“Se há alguém que deve estar comigo durante todo o tempo, esse alguém sou eu.
Para isso, devo por começar por me aceitar tal como sou; o que não quer dizer que renuncie a mudar ao longo do tempo. Significa antes que devo reformular a minha postura. Perante uma característica minha de que não goste, tenho sempre duas vias para resolver o problema.
A primeira, a mais comum, é a solução clássica: tentar mudar.
A segunda via, aquela que proponho, é deixar de detestar essa característica e permitir, tão-só, que essa condição se modifique por si mesma.
Inclusive, se quero mudar algo, é quando deixo de oferecer resistência que a mudança começa realmente a operar. Nunca vou emagrecer se não aceitar que estou gordo.
Segundo a teoria paradoxal da mudança, apenas podemos mudar algo quando deixamos de lutar contra isso.
Se a luta que travo constantemente para ser diferente tem tanto impacto na minha relação comigo próprio, é fácil perceber de que modo a crença de que os outros são obrigados a mudar pode condicionar a relação que estabeleço com eles.
Uma das aprendizagens a fazer no caminho do encontro é justamente a da aceitação do outro tal como ele é, o que só é possível se antes aprendi a aceitar-me.
Se me irrito com o outro por ser como é, isso significa que só consigo amá-lo se ele for como eu quero que ele seja. Se a tua amiga não é pontual e tens de esperar sempre por ela uma hora de cada vez que combinam alguma coisa, não te irrites. Quem te obriga a fazê-lo? Quando fico à espera de uma pessoa que não é pontual, é porque eu escolho esperar por ela e não porque ela tenha chegado tarde. Posso responsabilizar o outro pelas minhas próprias decisões?
O teu conceito de pontualidade é teu e eu não o partilho.
Não tens de ser como eu, mas não me peças que eu seja como tu.
Ser adulto significa sermos responsáveis pela vida que levamos, sabermos que as coisas que vivemos são o resultado daquilo que fazemos e, a partir daqui, termos a coragem de nos amarmos a nós próprios, incondicionalmente, por mais egoísta que possa parecer.
Porque é tão difícil aceitar esta ideia do encontro?
Porque vai contra tudo o que nos ensinaram. Aprendemos que se algo é importante para ti, também será importante para mim. Estamos treinados para privilegiar o próximo.
É aí que eu apareço para deitar a casa abaixo e causar escândalo:
Nem pensar! Na realidade, o que eu vejo é mais importante do que aquilo que o outro vê; o meu olhar prevalece sobre o olhar do outro.
Quando explico esta ideia, há sempre alguém que salta indignado: “Isso é egocentrismo!” E eu digo: “Sim, claro que é egocentrismo.” Como todas as posições individualistas, esta é uma posição egocêntrica. É individualista, egocêntrica e saudável, as três coisas.
Para que esta ideia do encontro seja interiorizada, é fundamental rever uma outra, a da independência. É certo que elas se confundem, mas é preciso continuarmos a trabalhar.
Tenhamos coragem de ser os protagonistas das nossas vidas. Se cedemos o protagonismo, não há filme.
Quando estamos numa negociação, o outro pode dizer-nos, muito irritado:
“Afinal, só queres fazer o que te convém.”
Sim, estou a negociar para fazer o que mais me convém. Que outro motivo teria para negociar?
Se não quisesse dar prioridade a mim próprio, em nome de quem negociaria?
Negocio com o outro porque é impossível fazer tudo o que quero. Se eu pudesse fazê-lo, sem prejudicar o outro, talvez o fizesse. Porque não?
Posso amar-te e estar disposto a ceder um pouco porque, além de me amar a mim próprio, também te amo. Contudo, entre os dois, não há dúvida nenhuma de que dou preferência a mim mesmo.
Há dois tipos de egoísmo, um que se opõe à solidariedade (de ida) e outro que coincide com a solidariedade (de volta), sendo que este último se pode educar; o mesmo se passa com a moral, que também pode ser educada e cultivada.
Não nascemos já com o gosto pela partilha, nem esta é obrigatória, mas podemos aprender a gostar de partilhar.
A princípio, a música clássica parece que range um pouco nos nossos ouvidos, mas, depois, aprendemos a ouvir Tchaikovsky; em seguida, começamos a assistir a bailados e, se nos entusiasmamos um pouco mais, daí a pouco temos um fraquinho pelo barroco e, quando nos damos conta, estamos a ouvir música sinfónica. Vamos educando o ouvido, mas não deixamos de gostar do que ouvíamos antes, pois estamos num processo de aprendizagem. Este gosto vai crescendo até, talvez, chegar o dia em que, com todo o prazer, estamos a escutar ópera.
Quando não temos o olhar treinado para apreciar a pintura, vemos um quadro famoso e não o compreendemos. Mas tal como se aprende a ouvir música, também se aprende a compreender a pintura. Lemos sobre pintura e aprendemos a olhar.
A moral também se aprende.
Nada pode fazer-me gostar de Goya ou obrigar-me a gostar de Picasso, mas se aprendo sobre pintura, se amadureço, se educo o meu bom gosto, tenho mais possibilidade de apreciar estas coisas e vou poder encontrar aquilo que realmente está lá, extrair-lhe o conteúdo e ter prazer nisso.
Quanto mais me deleito, quanto mais prazer sou capaz de sentir, mais treinado está o meu amor por mim. Se tenho prazer em cuidar de ti, em dar-te coisas, porque não pensar que é a partir dessa busca de prazer que eu vivo e exerço o meu amor por ti?
Não poderia ser de outro modo, pois o amor que tenho provém do amor que sinto por mim.
Temos de ter consciência de que há no mundo pessoas, coisas e factos muito importantes, mas nenhuma pode ser para nós mais importante do que nós mesmos. Quer queiramos ou não, repito, cada um de nós é o centro do mundo em que vive.
Se eu disser num grupo:
– Eu defendo bem as minhas posições porque tenho uma autoestima excelente.
O outro vai dizer:
– Muito bem, quem é o teu terapeuta?
Pelo contrário, se eu disser:
– Eu defendo muito bem as minhas posições porque sou muito egoísta.
O outro vai dizer:
– Estás louco? Muda de terapeuta!