“Deixou a casa do pai e correu para a praça da aldeia, para brincar com os seus companheiros. Quando chegou junto da fonte, ouviu umas pancadas estranhas. Tentou descobrir de onde vinham, e reparou que era de um cajado ao qual se amparava um homem idoso que vinha a descer as escadas do templo. O vento revolvia-lhe o cabelo comprido e agitava-lhe a barba prateada. O rapaz estava impressionado: nunca tinha visto uma figura assim.
As pancadas aproximaram-se, e um raio de sol passou por entre as nuvens, indo iluminar o rosto do ancião, que irradiava uma grande experiência de vida. O rapaz olhava fixamente o desconhecido. Era muito raro aparecer um estranho na aldeia. Os sapatos que o homem trazia e a sua roupa estavam gastos, pelo que se depreendia que tinha atravessado muitas cumeadas e muitos rios para chegar até ali. Nesse momento, também as outras crianças avistaram o recém-chegado.
– Quem és, e de onde vens? – quiseram saber.
– Já não tenho nome – respondeu o homem -, e não sei qual o caminho que me trouxe até aqui. Na noite passada dormi onde o sol se pôs, e hoje acordei onde ele nasceu.
As crianças riram-se ao ouvir estas palavras estranhas, e quiseram ouvir mais.
– Quem encontraste pelo caminho? – perguntou uma rapariga.
– Encontrei duas espécies de pessoas: umas que, de coisas sem valia, criavam coisas maravilhosas, e outras que, de coisas maravilhosas, criavam coisas sem valia.
– E em qual dos grupos é que te incluis? – quis saber a mesma rapariga.
– Eu procuro criar algo de maravilhoso daquilo que não tem valia.
– Não percebo – disse um dos rapazes. – Isso significa que és capaz de reparar aquilo que está completamente estragado?
– Estou certo de que tu também és capaz – respondeu o homem.
– Mas eu de certeza que não sou – proferiu um outro rapaz -, porque o meu pai está sempre a chamar-me «cabeça de palha», mesmo quando faço uma coisa bem.
As crianças começaram a discutir. Quanto mais falavam, mais alto o faziam e mais se entusiasmavam, comprimindo-se em volta do ancião. Sentiam que ele era diferente dos outros homens da aldeia. De repente ouviu-se uma voz rude.
– Ó cabeça de palha, ainda aqui estás? Vai já para casa!
O interpelado encolheu os ombros e foi-se embora. Outras crianças foram atrás, porque também já eram horas de recolher.
– A minha mãe diz que, seja onde for que se esteja, não há nada melhor que estar em casa – afirmou uma rapariga, ao mesmo tempo que arrumava os seus brinquedos. – E os meus avós também o diziam.
O ancião olhou para ela pensativamente.
– Se os teus pais acham que a sua casa é o maior bem que possuem, então é porque vivem aprisionados. Por isso é melhor considerarmos a nossa casa como um albergue em que passamos um dia após outro.
– E onde fica o teu albergue? – perguntou o rapaz que tinha avistado primeiro o ancião.