“A palavra «luto», etimologicamente, está relacionada com o conceito de dor; consiste na elaboração que realizo internamente de cada vez que me separo de alguém ou de alguma coisa. O meu grau de ligação a essa alguma coisa determinará a intensidade e duração do luto, mas não a sua existência.
Há sempre um luto que temos de atravessar depois de uma separação.
A nossa educação conspira contra a elaboração e aceitação dos lutos.
Recordo as mensagens dos nossos pais, mestres, perante as nossas perdas infantis: «Bom, já passou…»; «Já basta de lágrimas!»; «Não é assim tão importante»; «Depressa irás ter outro»; «Não penses nisso», etc.
Receamos o luto.
A dor aparece como uma ameaça terrível contra a nossa integridade.
E então defendemo-nos.
O propósito mais comum é o de não se comprometer afectivamente com nada nem com ninguém (ou o menos possível com o menor número de pessoas possível), na ilusão de que «se não me apegar a ninguém nem a nada, não sentirei dor em perder nada nem ninguém».
Aviso:
NÃO FUNCIONA.
Não é somente porque me impossibilita a vida, o contacto e a intimidade que este raciocínio não funciona, mas também porque, o luto não depende de quanto queremos aquilo que perdemos.
O segundo propósito é ainda mais terrível. Consiste na decisão velada de não nos separarmos NUNCA de NADA. Assim acumulo coisas e relações que nunca acabam, que não se renovam, que permanecem estáticas.
Colecciono livros que nunca leio, discos que nunca ouço, caixas e caixas de cartas que pessoas que não vejo há anos me escreveram, montões de armários cheios de objectos que recordam momentos que quero eternizar.
Barry Stevens disse: «Quando eu tinha uma família, costumava percorrer a minha casa duas vezes por ano e deter-me uns minutos em frente de cada objecto… E todas as coisas que não tivessem sido usadas ou desfrutadas nos últimos seis meses perdiam o direito de permanecer e eram atiradas para fora da casa…»
(Que inveja!) A maior parte de nós receia separar-se das coisas porque tem medo de precisar delas no dia seguinte.
A variante subtil deste modelo é distanciar-me das coisas e das pessoas em lugar de me separar delas. Este modelo é bem conhecido por aqueles casais que não suportam a ideia de se separarem e tão-pouco podem permanecer unidos. Então «dizem» que se separam.
O «dizem» entre aspas significa que isto acontece só na aparência. Na realidade, continuam a ver-se tanto ou mais do que antes; estão pendentes do que o outro faz, diz, pensa, quer. E, em muitos casos, saem juntos, terminando a noite na cama.
O objectivo é claro: não viver o luto que implicaria uma separação.
Quando isto acontece assim, com o tempo, produz-se um vaivém no qual sempre que um deles tenta começar o seu luto e separa-se, o outro aparece para recordar, para corrigir, para rectificar e para fazer abortar o luto.
Por último, há um terceiro mecanismo para fugir dos lutos, que é, simplesmente, negá-los.
Esta situação de perda, de separação, de morte, simplesmente, não existe.
É importante que eu viva com toda a plenitude os lutos pelas minhas perdas, pelas minhas mudanças, pelas minhas mortes.