O Romantismo Não É Uma Solução de Recurso

“Às vezes, tenho a impressão de sermos quase todos uns românticos falhados. E, talvez muito pior que isso, uns românticos que convivem de forma conformada com o seu “lado falhado”, todos ao abrigo de uma desculpa que mais parece uma geringonça complicada. “O meu marido é assim. Não é capaz de mostrar os sentimentos. Não fala mas sente, sim?”; ou: “Gosta de mim… à sua maneira”; ou “É muito boa pessoa, mas não é romântico. Só isso!” – faz parte de um “comboio” de justificações protectoras que, por outras palavras, acabam por se referir ao modo como duas pessoas se amam mas não se mimam.

Aliás, o número de pessoas por quilómetro quadrado que assume, mutuamente, que se ama e que o diz de forma carinhosa ou amorosa é tão escasso que, tirando as pessoas que o afirmam sem que o sintam, e considerando as pessoas que assumem, unicamente, que gostam (às vezes – só às vezes – muito) da pessoa que escolheram para si, o mimo, entre os casais, padece duma “pneumonia muito grave”. E ou não se amam, simplesmente, e deitam a mão a quaisquer justificações mais ou menos acrobáticas para que consigam conviver com isso sem se envergonharem; ou se, porventura, se amam mas não se mimam, muito depressa vão acumular ressentimentos (e, logo a seguir, rancores) que os farão deixar de se amar.

É verdade que quando estamos assumidamente apaixonados e nos sentimos retribuídos queremos que o nosso amor se torne “público”. Será um bocadinho vaidoso, sim, mas faz parte do êxtase de duas pessoas que se sentem, desmedidamente, felizes. Seja como for, é indispensável que, passada a vaidade, a pessoa a quem damos o nosso amor e a relação que construímos com ela nos suscitem orgulho. Quase todos os dias! Seja pela sua beleza, pela sua clarividência, pela sabedoria que demonstra, pela garra, pelo sentido de justiça, pela bondade ou pelo seu lado guerreiro, o orgulho que a pessoa a quem damos o nosso amor nos suscita leva-nos a que a amemos mais. De forma mais generosa e mais humilde. Do mesmo modo, quando nos aleija ou nos envergonha, ela esmorece em nós. Morre, por dentro, devagarinho. E, de ressentimento em ressentimento, é fácil que se chegue a um patamar em que falar ou não falar não se distinga tanto assim, como devia. Porque, afinal: “Não vale a pena! Ele não ia entender…”; ou “Temos uma vida muito acelerada” (ou, mesmo, outro tipo de justificações não chegam). Sobretudo, quando todos estamos juntos num planeta que viaja pelo espaço a 250 quilómetros por segundo…

A verdade é que o romantismo não é uma “tendência jurássica”, prontinha a cair em desuso. Por mais que haja quem a queira “vender” dessa maneira e fale dos “tempos modernos” como se eles não fossem dados a essas pieguices. E, nem mesmo uma “tendência” nova que se vai escutando muito – “O meu marido não fala. Mas chora. No cinema…” – vale como “vitória de consolação”. A verdade é que são muito poucos os casais que acarinham o romantismo. E são menos, ainda, os homens que o fazem. E isso é grave. É mau. E estraga, de forma irreparável, uma relação amorosa.

É claro que o romantismo não é uma “solução de recurso”. Uma espécie de “saída de emergência” quando nos sentimos encurralados por alguém que, supostamente, amaríamos mas que, de forma repetida, nos dá sinais, faz reparos ou se adequa, silenciosamente, aos nossos desmazelos. E há situações em que “a solução” encontrada para uma advertência que nos engasga acaba por ser pior que a omissão que se foi prolongando. “Há quanto tempo não temos um jantar romântico?” “Que não seja por isso… Jantamos já hoje!” Aumenta, de forma exponencial, a raiva de estimação que fomos construindo por alguém que já terá sido o nosso amor. Porque se faz acompanhar duma atmosfera do género: “Vamos lá desenrascar-nos deste embaraço…” que, para mais, nos leva a perguntar porque é que aquilo que, até aí, não era indispensável se tenha tornado uma “urgência nacional”, de um minuto para o outro. Já quando, depois de vencidos os receios de uma resposta negativa, avançamos com um convite muito “embrulhadinho”: “E um fim de semana a dois?…” “Boa ideia!” (Nós respiramos de alívio…) “Marca tu…”, corre muito mal, porque muito depressa percebemos que a agenda da pessoa que já teremos amado não tem entradas previstas para o nosso “amor”. Já para não falar das pessoas (mulheres, sobretudo) que marcam um “fim de semana romântico” e, na volta, o seu presumível amor se faz acompanhar, obrigatoriamente, pelos filhos, pelos pais (“Afinal, saímos tão pouco com eles.”); ou por um amigo (“Está destroçado! Saiu agora duma relação.”). Chegados aí, já estaremos num patamar do género: “Porque é que eu nunca digo ‘Gosto de ti’?…” “Porque ele sabe…” (“O quê?…”, pergunto eu.)

Sejamos, por uma vez, amigos do exagero: o romantismo só não é urgente para quem não ama! O romantismo é, simplesmente, a forma de sermos amorosos com quem se ama. Não só de estimar um amor. Não só de o acarinhar. Mas de o mimar. De o amar! Daí que uma surpresa não seja “taxada” com imposto de luxo. Um gesto carinhoso não leve o coração à bancarrota. E os mimos não tragam sopros ao coração. Estima, carinho e mimo tornam-nos amorosos. Porque nos levam a sentir o outro, em nós. Nos levam a olhá-lo. A escutá-lo. E a imaginá-lo. E a falar por gestos. Antes – sobretudo, antes! – de ele falar por nós. Por outras palavras, sem nos entregarmos amorosamente ao amor, jamais amamos. “Simples”, portanto.” – Eduardo Sá

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