“A partir do momento em que o discípulo descobriu o segredo da reflexão interior, deixou de ver o trabalho de carregar a água como fardo penoso, passando a encará-lo como uma oportunidade de fortificar o corpo. As orações da manhã e da tarde davam mais força à sua alma, e até as refeições diárias significavam mais do que apenas uma ingestão de alimentos. Serviam para aprender a compreender as inter-relações da vida. Não deixava de pensar naquele bago de arroz que comera no início da sua caminhada. Dedicava agora cada minuto da sua existência à prática do silêncio interior, e já não conseguia imaginar-se a viver de outra forma.
O outro jovem tinha-se modificado tanto desde que regressara ao templo, que agora todos os que lá habitavam lhe faziam sentir o seu respeito e afecto, de que até então tanto tivera de se privar. E todos, incluindo o superior, estavam agora convencidos de que ninguém é mau por natureza e que não há água que não se encontre pura quando brota da nascente.
Certa noite, após a oração da tarde, o Mestre dirigiu-se ao discípulo.
– Nunca devemos habituar-nos ao local onde vivemos, porque se o fizermos apossamo-nos dele. Mas quem possui alguma coisa tem preocupações. E quem tem preocupações não pode abraçar a sabedoria. Por isso, amanhã cedo vamos abandonar este lugar.
O rapaz ficou decepcionado. Não só porque tinha de renunciar ao seu novo lar, como também porque tinha de deixar o seu novo amigo.
– O valor de uma amizade revela-se precisamente quando as pessoas não podem ver-se – disse o Mestre, apercebendo-se do que perturbava o seu discípulo.
– Mas há aqui tantos livros que ainda precisava de estudar – lamentou-se o jovem. – Como é possível abandoná-los sem os ter lido?
O Mestre sorriu.
– E que aconteceria se os tivesses lido todos?
– Teria encontrado a sabedoria – respondeu o discípulo.
– Não confundas sabedoria com saber – advertiu o Mestre. – O saber podes encontrá-lo nos livros, mas a sabedoria só no teu coração. O saber sem sabedoria é como uma lâmpada que temos na mão, mas que não conseguimos acender. Pelo contrário a sabedoria sem saber é como uma chama que rapidamente se extingue, porque lhe falta o azeite necessário. Só quando possuímos as duas coisas, saber e sabedoria, é que a luz ilumina até a noite mais escura.