“É assim: a morte está ligada a uma grande impotência. E talvez este seja o grande temor da morte que está em (quase?) todos nós. O temor da impotência.
Vivemos num mundo com o culto do êxito. O triunfador, o ganhador, o vencedor, o forte, o poderoso: esses são os nossos modelos. Esses são os heróis admiráveis que mostramos aos nossos filhos no cinema, na televisão, nos livros e nas revistas. Esse é o modelo de nós mesmos que queremos dar aos nossos filhos: «o papá pode», «o papá sabe», «o papá é bom», «o papá nunca se engana». Em resumo: «o papá é o Super-Homem».
E assim crescemos, com estas mensagens.
E assim chegámos a adultos. Perdão, rectifico: queria dizer maiores.
E assim nunca aprendemos a aceitar o que não podemos.
E assim vivemos: a esquivar, a negar e a evitar sentirmo-nos impotentes.
Hoje encontro-me com outro cuja atitude me desagrada. Falo com ele, mas ele não a modifica. Sinto-me impotente e não suporto a minha impotência. Então, grito com ele.
Não é suficiente para que ele mude. Continuo a não suportar a minha impotência. Então, insulto-o.
Não resulta. Ele continua na dele. E eu, com a minha impotência. Então bato-lhe e, se continuar a sentir-me impotente, então mato-o. E continuo a sentir-me impotente… Então… Ah! Então suicido-me.
Parece uma grande loucura, não é verdade? E é mesmo!
Mas não será este, por acaso, o mecanismo pelo qual alguns pais batem nos filhos?
Quando chegavam às urgências do hospital crianças com feridas, equimoses e, às vezes, lesões sérias produzidas pelos seus pais, que era aquilo? «Incentivos de aprendizagem?» «Correctivos?»
Quando, numa discussão de rua, um dos indivíduos puxa de uma arma e ataca o outro, que é isso? «Um excesso provocado pela exaltação?»
Quando alguém renuncia à vida e salta de uma janela, que é isso? «Um acto de protesto?»
Sustento que não!
Sustento que estas e todas as outras hostilidades que pululam no nosso mundo são o resultado da incapacidade de alguém ou de alguns suportarem o seu não poder. São a expressão de uma absoluta negação da realidade, uma realidade que impõe que não sejamos omnipotentes.
Convido-te a investigá-lo por ti próprio.
Da próxima vez que te encontres com uma atitude hostil (isto é, destrutiva e cruel; que fere ou causa dano), da próxima vez, olha para dentro de ti. Procura a impotência implícita. E, quando a encontrares, quando souberes que é isso que não aceitas, que é isso que não podes modificar, tenta aceitar simplesmente que talvez não possas. Dá-te conta de que, se puderes, talvez não seja neste momento nem por este caminho. Aceita a tua impotência.
E, se o fizeres, quando voltares à tua realidade deste momento, talvez comproves com surpresa que a tua hostilidade desapareceu.
O mais interessante é que, muitas vezes, quando eu percorro este caminho e, de regresso, renuncio à atitude hostil, o outro, quem quer que seja, costuma tornar mais aberta a sua capacidade de escutar. Aparece assim uma probabilidade adicional de interacção que me estava vedada, quando ele empregava todas as suas energias em defender-se de mim e, então, não tinha espaço sequer para modificar a sua postura.