Há Quem Seja Feliz Para Sempre

“Num dia destes, fui a uma livraria comprar um livro chamado O ministério da felicidade suprema. A livreira respondeu-me, lacónica:

– Não há!

– Já esgotou? – perguntei, surpreendido.

– Não sei se esgotou – disse-me resoluta. Mas já não há.

– Mas ainda ontem estava nos tops – argumentei, já sem jeito…

– A felicidade suprema está sempre nos tops, meu amigo – respondeu enfadada.

– Mas, deixe-me recapitular. Já não há, ainda não há ou nunca houve? (perguntei eu, querendo saber se ela estaria a falar do livro ou da felicidade… suprema)

– Isso não sei dizer. Mas não há!

Ok – disse eu. Seja como for, indica-me, por favor, onde posso encontrar o livro?

– Na prateleira número dois.

– (Sorri-lhe com sarcasmo.) Então, lá vou eu à procura da felicidade suprema – piquei-a. Obrigado!

E fui buscar a tal “felicidade”. Se ela fosse tão simples de encontrar, se a tomássemos sempre na sua “versão” suprema, ou se delegássemos a sua procura num ministério da felicidade, a vida seria um longo fim de semana.

Há quem ache que a felicidade não existe. Como a tal livreira. Há quem ache que é uma miragem. Há quem ache que é um luxo pior do que um relógio Patek Philippe. Com a particularidade dela não se comprar. A felicidade não é uma patetice. É verdade. Mas descobrimo-la, muitas vezes, quando a um momento pateta juntamos um tremendo sentimento de liberdade e acabamos a rir. Tudo, mas tudo, “pela mão” de alguém. De um “nosso alguém”.

Será a felicidade um momento de exaltação? É. Mas quase tenho medo de dizer isso muito alto, tais são as pessoas exaltadas com que me cruzo todos os dias e que me dão um arrepio por serem, a olhos vistos, tudo menos felizes.

Porque é que na maioria das histórias o “e foram felizes para sempre” se dá por alturas do casamento? Porque depois nunca se sabe. É assim desde a Cinderela à Branca de Neve, por exemplo. Como foi assim, também, com o prato de esparguete que uniu a Dama e o Vagabundo. É verdade que, hoje, todos nós assumimos que um casamento por companheirismo é uma espécie de solidão assistida. Mas que as pessoas – então, depois de casadas – continuem a trabalhar para a felicidade já é outra coisa. Às vezes, parece-me a mim, as pessoas acreditam na felicidade enquanto dádiva. (O que, pensando bem, não é tão tolo assim.) Mas são levadas a supor que para uma dádiva não se trabalha. Espera-se sentado até que ela nos caia no colo. E isso estraga tudo. Pode a felicidade, que nos traz o sagrado em vida, ser um golpe de sorte? Nunca é. Seguramente.

E, no entanto, a felicidade é um estado de comunhão entre duas pessoas. Não ser possível ser feliz para sempre é uma forma batoteira de falar verdade. A comunhão não é um estado interminável. Mas, por mais que em muitas relações seja realmente uma miragem, há relações em que a comunhão vai das convicções aos gestos, vai da forma telepática como se comunica à sexualidade, vai das trocas amorosas à ironia. É verdade que não se pode ser ininterruptamente feliz. Mas a exaltação da felicidade, por mais que seja rara, acontece. E, quando existe, aprofunda-se mais e mais à medida que duas pessoas se conhecem e se despem por dentro. Isto é, pode não ser. A felicidade suprema. Mas, sim, há quem seja feliz para sempre.” – Eduardo Sá

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