Só a Verdade Poderá Levar-nos de Volta Ao Amor

Aquilo que dizemos transforma-se na casa onde vivemos.” – Hafiz

 

“Nasci no contexto de uma sábia e antiga tradição chamada Toltec. O meu avô era um velho ngual (xamã) e esforcei-me durante toda a minha juventude para merecer o respeito dele.

Quando era adolescente, queria impressioná-lo com as opiniões que tinha sobre tudo o que aprendia na escola. Falava-lhe do meu ponto de vista em relação à injustiça que há no mundo, à violência e ao conflito entre o bem e o mal. O meu avô ouvia pacientemente, o que me incentivava a falar ainda mais. A certa altura, reparei que esboçara um sorriso ao dizer: “Miguel, essas teorias que aprendeste são muito boas, mas tudo o que me disseste até agora é apenas uma história. Não significa que seja verdade.”

Como é evidente, senti-me mal com o comentário e tentei defender o meu ponto de vista, mas, logo de seguida, o meu avô continuou: “A maioria das pessoas acredita que existe um grande conflito no universo – o conflito entre o bem e o mal. Bom, esse conflito existe apenas na mente humana. Não é verdade para o resto da natureza. E o verdadeiro conflito que habita a nossa mente é o conflito entre a verdade e a mentira. O bem e o mal são o resultado desse conflito. Acreditar na verdade origina bondade, amor, felicidade. Acreditar em mentiras e defender essas mentiras resulta naquilo a que chamamos maldade. É isso que cria a injustiça e a violência, o drama e o sofrimento, não só na sociedade, mas também no indivíduo.”

Hum… O que o meu avô disse era lógico, mas não acreditei nele. Como poderiam todos os conflitos e todo o sofrimento do mundo serem o resultado de algo tão simples? Tinha de ser mais complicado do que isso.

“Miguel, todo o drama que existe na tua vida é a consequência de acreditares em mentiras. E a primeira mentira em que acreditas é esta: não sou suficientemente bom, não sou perfeito. Todas as pessoas nascem perfeitas e todas morrerão perfeitas porque só a perfeição existe. Mas se acreditares que não és suficientemente bom, seja feita a vossa vontade, porque esse é o poder e a magia da tua fé. Com essa mentira, começas a procurar uma imagem da perfeição que nunca alcançarás. Procuras amor, justiça, tudo aquilo que acreditas não possuir, sem saberes que tudo o que procuras já existe dentro de ti. A Humanidade está da maneira que está porque todos acreditamos em mentiras que existem há milhares de anos. Reagimos a essas mentiras com raiva e violência, mas são apenas mentiras.”

Estava a pensar como poderia saber a verdade quando o meu avô disse: “Conseguimos percepcionar a verdade com os nossos sentimentos, mas assim que tentamos descrevê-la por palavras, acabamos por distorcê-la, e ela deixa de ser verdade. É a nossa história. Imagina que Pablo Picasso tinha pintado um retrato teu. Dir-lhe-ias certamente ‘eu não sou assim’, e Picasso responderia: ‘claro que és, é assim que eu te vejo’. Para Picasso, seria verdade; ele estaria a expressar aquilo que percepciona. Todas as pessoas são artistas – contadores de histórias com um ponto de vista único. Usamos palavras para pintar um retrato de tudo o que testemunhamos. Inventamos histórias e, tal como Picasso, distorcemos a verdade; mas, para nós, é a verdade. Quando conseguimos perceber isto, deixamos de tentar impor a nossa história aos outros ou de defender aquilo em que acreditamos. Enquanto artistas, respeitamos o direito que todos os artistas têm de criar a sua própria arte.”

Nesse momento, o meu avô deu-me a oportunidade de me aperceber de todas as mentiras em que acreditamos. É por acreditarmos nessas mentiras que nos julgamos, que nos achamos culpados e que nos castigamos. Sempre que temos um conflito com os nossos pais, os nossos filhos, a pessoa que amamos, é porque acreditamos nessas mentiras, e eles também.

Quantas mentiras ouve na sua cabeça? Quem está a julgar, de quem está a falar? Se não gosta da vida que tem é porque a voz que existe dentro de si não lhe permite apreciá-la. Chamo-lhe a voz do conhecimento, porque nos diz tudo o que sabemos, e esse conhecimento está contaminado por mentiras.

Bom, se cumprir duas regras, as mentiras não sobreviverão ao cepticismo e irão simplesmente desaparecer. Primeiro, ouça a sua história, mas não acredite em si mesmo, porque agora sabe que a sua história é, maioritariamente, ficção. Segundo, ouça as outras pessoas a contarem as histórias delas, mas não acredite nelas. A verdade sobrevive ao nosso cepticismo, mas as mentiras só sobrevivem se acreditarmos nelas.

O simples facto de estarmos conscientes das mentiras que existem já nos faz ter consciência de que a verdade também existe. E ao limparmos as mentiras em que acreditamos sobre nós próprios, mudaremos as mentiras em que acreditamos sobre todas as outras pessoas. Só a verdade poderá levar-nos de volta ao amor, e este é um grande passo em direcção à cura da mente humana.” – Don Miguel Ruiz

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