“Ao longo da nossa vida, conhecemos milhares de pessoas e, fazendo um cálculo conservador, imaginemos que algumas centenas delas tenham despertado a nossa atenção por serem suficientemente atraentes ou bem-sucedidas. Se reduzíssemos esse universo aplicando a teoria social da troca, chegaríamos a umas cinquenta ou cem pessoas de um grupo restrito de gente com o mesmo número de “pontos” que o nosso, ou superior. Nesta lógica, teríamos de nos ter apaixonado por várias centenas de pessoas. No entanto, a maior parte de nós apenas se sentiu atraída por algumas pessoas ao longo da vida. Conclusão: algo está a escapar a estas teorias.
Eu acredito que o que falta seja justamente o inexplicável, o verdadeiro mistério, a magia.
Porque é, de facto, inexplicável que alguém “perca a cabeça” por outra pessoa, que não possa pensar em mais nada senão no amado, que alguém chore durante semanas à espera de um telefonema de parabéns que não chegou… Estas emoções violentas e irracionais só acontecem quando estamos apaixonados.
É que estar apaixonado não é amar.
Porque amar é um sentimento e estar apaixonado é, como o próprio nome diz, uma paixão.
As paixões, por definição, são emoções desenfreadas, fortes, absorventes, intensas e fugazes como o disparo de um flash, capazes de produzir temporariamente um estado de ânimo de exaltação e uma alteração da consciência do mundo.
É preciso compreender isto para poder depois distinguir a paixão do amor.
Este caos emocional tem, infelizmente por um lado, mas felizmente por outro, uma duração muito curta: digo infelizmente, porque enquanto estamos apaixonados, apesar de tudo, gostaríamos de permanecer nesse estado fascinante e intenso que se torna a nossa vida, e digo felizmente, porque acredito que as nossas células acabariam por explodir se esse estado se prolongasse para lá de umas quantas semanas.
Quando estamos imersos numa paixão perturbadora, ninguém é capaz de fazer outra coisa que não seja pensar na tal pessoa, recordá-la, estar com ela. Trata-se de um estado fugaz de descentramento (a pessoa acredita que o centro da sua vida é o outro), uma espécie de loucura transitória que, como disse antes, se cura por si e em geral sem deixar sequelas.
Durante o tempo que dura a paixão (dizem os livros que entre os cinco minutos e três meses, não mais), a pessoa vive em função do outro: se telefonou ou não telefonou, se está ou não está, se olhou para mim, se gosta de mim ou se não gosta de mim…
Estar apaixonado é deixar-se enredar num doloroso prazer, o da dissolução do nosso ser no outro.
Se pensássemos a sério nisto, perceberíamos o quanto poderia ser prejudicial à nossa integridade viver neste estado.
A confusão reinante à volta destas condições, juntamente com a perniciosa ideia de fazer delas uma norma, foi e continua a ser a causa de terríveis desencontros nos relacionamentos.
“Já não é como antes…”, “As relações com o tempo acabam por se desgastar…” e “Já não estou apaixonado… vou acabar”. Estas são algumas das frases que oiço no meu consultório e que leio nas revistas, sustentadas pela ideia de que os casais deveriam continuar apaixonados “como no primeiro dia”. É muito bonito imaginar que isso seja possível, e todos gostaríamos de acreditar nisso, mas não é verdade.
O estado ideal de um casal não é o daqueles primeiros meses de paixão, mas sim o que existe durante todo o tempo em que se amam no sentido quotidiano, verdadeiro.
A nível da fantasia, provavelmente gostaria de estar apaixonado pela minha mulher depois de vinte anos, pois a paixão é um estado realmente encantador. No entanto, se eu ainda estivesse apaixonado pela minha mulher, tenho a certeza absoluta de que neste preciso momento não estaria aqui a escrever este livro.
Se eu estivesse apaixonado, isto para mim seria perder o meu tempo.
Se eu estivesse apaixonado pela minha mulher, neste preciso momento não teria vontade nenhuma de estar aqui, porque estaria a pensar em estar lá, em encontrar-me com ela ou, em todo o caso, em escrever-lhe um poema, mas sempre em algo relacionado com ela, porque ela seria o centro da minha vida.
Quando um vínculo começa com a paixão e desemboca no amor, tudo corre bem. De facto, é o melhor que nos pode acontecer.
Mas quando tal não acontece, o desvanecimento da paixão deixa apenas uma sensação de cidade devastada e de ruína emocional, a dor da perda, o buraco da ausência.
E perguntamos: porque acabou? Porque não era verdadeiro? Porque não era suficiente? Porque era mentira?
Não. Acabou simplesmente porque era uma paixão.
Estar apaixonado e amar são duas coisas maravilhosas, mas é preciso não as confundir.
Embora seja verdade que a paixão é uma coisa maravilhosa, é preciso ter a noção de que o amor não é menos maravilhoso. Apesar de não ter a intensidade das paixões, certamente que não, tem uma profundidade que não atingimos quando estamos apaixonados.
É por causa dessa profundidade que o amor é capaz de oferecer estabilidade ao vínculo, à custa do desvanecimento do feitiço e da fascinação. Porque se pode amar com os pés na terra, enquanto a paixão só acontece nas nuvens.
O certo é que, quer queiramos quer não, a paixão acaba. E quando isso acontece, com sorte, volto a centrar-me em mim e posso então permitir que o amor verdadeiro floresça.
A mais bela definição de amor que ouvi na minha vida foi a de Joseph Zinker:
“O amor é o rejúbilo pela simples existência do outro.”
A frase evoca um sentido quase supremo do amor, o mais profundo e o mais intenso.
Possível ou não, este será o objectivo mais desejável: amar ao ponto de me alegrar apenas pelo facto de o outro existir.
E não existe um amor apaixonado que possa durar a vida inteira?
No outro dia corrigi uma paciente que me falava sobre o seu noivado e de como estava “perdidamente”apaixonada pelo namorado.
E então eu disse-lhe:
– Que pena que não possa dizer “encontradamente” apaixonada.
O amor apaixonado é o nome que reservo para aqueles vínculos em que nos amamos o bastante para construirmos uma relação, sem deixarmos de ser nós próprios, em que, uma vez ou outra, damos por nós apaixonados pela mesma pessoa com quem vivemos há tantos anos. Encontradamente apaixonados.
Se isto acontece é maravilhoso, mesmo quando esses momentos de paixão não nos acontecem ao mesmo tempo.
Às vezes acontece-me chegar a casa feliz e sorridente, e a Perla está diferente, mais linda, mais jovem, mais compreensiva. Apercebo-me (por experiência) de que estou apaixonado. E então, com cara de não-sei-o-quê, digo-lhe “Ooooolaaaá…”, e ela responde-me “Olá”. E eu sei que desta vez não nos aconteceu ao mesmo tempo.
Esta falta de coincidência na paixão não significa que nos rejeitemos um ao outro, mas apenas que o encontro apaixonado não se realiza. Nessa noite, poderemos falar sobre o assunto e talvez até fazer amor, mas não como naquelas outras noites.
Quando temos a surpresa de nos apaixonarmos um pelo outro ao mesmo tempo, é incrível. Durante o tempo que durar (uns dias ou umas duas semanas), sentimos a intensidade da paixão, somada à profundidade do amor. A nossa relação ganha brilho, e nós também. Tudo é fantástico e maravilhoso… E passa. E regressamos encantados ao puro amor, já sem a paixão, mas com as baterias carregadas de desejo até ao próximo romance.
Os reacendimentos ocasionais da paixão constituem a condição para manter a juventude do casal ao longo do caminho comum.
Como é lógico, esses estados de paixão não podem ser programados e, portanto, estar apaixonado ao mesmo tempo que o outro é pura sorte.
Ninguém pode dizer: “Bom, eu tenho férias em tal dia, de modo que vamos apaixonar-nos nessa altura.” Não pode ser!
No entanto, é precisamente aí que está a magia.
E por vezes acontece.
Acontece que vamos os dois de férias, fugimos do quotidiano e do mundo, aterramos numa praia longínqua, sozinhos, porque os filhos já são crescidos e foram por sua vez cada um para o seu lado, e, de repente, a química esquecida, dos tempos em que nos apaixonámos um pelo outro, renasce. E voltamos a apaixonar-nos. Como antes, mas diferente, porque somos agora diferentes, embora durante es te tempo nos juntemos os seis: os dois que somos, os que fomos, o sentimento e a paixão.
Quando voltamos de férias, como é óbvio, dizemos: “Ah… acabou!” E deitamos as culpas a Buenos Aires.
Só que não é verdade; acabou porque realmente era bom que acabasse.
Muitas pessoas, especialmente mulheres, dizem-me que era bom que a paixão não acabasse no “regresso das férias”, que ela viesse connosco para casa. Eu creio que não. Acho que é preciso deixá-la na Patagónia, em Cancun, onde seja, e viajarmos nós até ela sempre que desejarmos.