“Eu sou as lágrimas que não derramarás. Eu sou o resultado de uma vida não vivida. Eu sou a experiência de tentar agradar a todos e mais alguém. Eu sou o sentimento de estar perdido. Eu sou inconsolável. Eu sou a parte de ti que não deixarás à vista, com medo de que eu rapidamente me transforme num rio enfurecido. Com medo de que eu te afogue. Eu sou a parte de ti que tens sempre sob controlo. Eu sou a tua amante secreta. Partilho espaço contigo na almofada à noite. Estou presente no despedaçar do teu coração. Estou presente na tua perda. A acumulação de mim leva à tua mágoa. Sem mim, estarias perdido.
Resido nos teus pulmões. Sufoco-te por dentro. Quando eu chego, uma forte pressão e um aperto de torno rodeiam-te o pescoço, envolvem-te a garganta.
Deixo-te mudo.
Roubo-te a voz.
Todo tu sufocas.
Farás tudo o que puderes para me afugentar. Beber. Fumar. Praticar sexo. Comer em excesso. Tentarás sobrepor-te a mim, só para descobrires que não podes. Eu deixo-me estar dentro de ti. Eu deixo-me estar dentro de todos nós. Os momentos de vulnerabilidade expõem a minha presença. As relações pessoais fazem-me aparecer e sair. Atinjo um ponto em que não mais me conténs. Em que não podes mais ocultar-me. Em que não tens escolha senão admitir que eu existo.
Sou real.
Estou aqui.
Sou uma parte de ti.
Já não podes fugir – e tudo bem.
Estava presente no nascimento dos teus filhos. Estava presenta na morte da tua mãe. Estava presente no momento de abuso e trauma. Estava presente quando o mundo te rejeitou e marginalizou. Estava presente no recreio. Na cafetaria. No balneário. Estava lá quando os cabeçalhos das notícias deram a conhecer a tragédia: crianças abatidas a tiro, aviões voando contra edifícios, meninas vendidas para escravatura sexual. Estive sem ser convidada no teu casamento. Estava lá na graduação do teu filho. Aquando da morte do cão da família. No nascimento dos teus netos. Na perda da tua mulher. No telefone a tocar. No oficial à tua porta. No hospital. Nas maiores agruras. Tenho lá estado a cada passo do caminho.
Sou as tuas lágrimas. Sou a tua mágoa. A tua perda. Eu sou tu. Existirei até ao teu último alento. Estar na forma humana é sentir-me.
Permite que a represa rebente. Preciso de me mover através de ti. Vem para casa para junto de mim. Vem cá. Tenho algo a mostrar-te.
Vem.
Tenho estado à tua espera.
Deixa que te conduza a casa.
Abre-te a mim. Permite-me fluir. Permite que o fluxo de mim se mova livremente através de ti. Não tenhas medo de mim. Permite-me ir. Tenho de ir agora. Não te preocupes, voltarei. Não posso nunca realmente partir. Sentir-me-ás sempre – mas sentir-me-ás como ao vento nas tuas costas, ou o lago que te rodeia, o simples ar que respiras. Eu quero estar sempre em movimento. Eu quero estar sempre em acção. Não me refreies. Isso apenas nos magoa a ambos.
Deixa-me ir.
Deixa-me ir.” – Panache Desai